segunda-feira, 16 de junho de 2008

JAMELÃO

O cantor Jamelão (1913 – 2008) não foi o maior intérprete das escolas de samba brasileiras. Muito mais do que isso, ele foi um dos maiores cantores populares do Brasil em todos os tempos, formando no mesmo time de Francisco Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Nelson Gonçalves etc. Por quê, então, não obteve ele o sucesso de público desses mitos da canção brasileira? Fazemos essa pergunta tomando como base a idéia central de nosso livrinho O samba na realidade... (Codecri, 1981). Nele, discutíamos o fato sócio-histórico segundo o qual as escolas de samba, criadas para legitimar a cultura de suas comunidades fundadoras, foram ilusoriamente acreditadas, em um certo momento, como canais de ascensão social por esses grupos. Devido a vários fatores, entretanto, a maioria de seus artistas viu frustrar-se essa possibilidade de prestígio e ascensão a partir da década de 1970. Já cantor de gafieira nos anos 30, quando as escolas ensaiavam seus primeiros passos, Jamelão ingressou na Mangueira, por mero prazer, como ritmista; e só passou a crooner (termo, do inglês croon, cantar docemente, murmurar, pelo qual eram chamados, àquela época, os cantores das orquestras e também das escolas) cerca de vinte anos depois. A partir daí, mais ou menos por duas décadas, sua porção de cantor romântico, interpretando com grande orquestra notadamente as principais obras de Lupicínio Rodrigues, mestre do samba-canção, conviveu sem problemas com a de crooner mangueirense na avenida. Desde, entretanto, o momento em que as escolas de samba passaram a privilegiar o aspecto visual dos desfiles em detrimento da música, quase todos os artistas diretamente envolvidos com essa forma de expressão, mesmo os geniais, foram, a nosso ver, como que sugados pela verdadeira areia movediça em que as escolas de samba passaram a “evoluir”. E Jamelão não foi exceção. Este não foi o caso, por exemplo, da grande cantora Alcione, que associou belamente seu nome à Mangueira depois de uma carreira já consolidada e envolvendo-se, mais, nas questões sociais que nas artísticas da agremiação. Nem o de Martinho da Vila, dono de uma trajetória invejável mas que, recentemente, mesmo honrado como Presidente de Honra, parece ter-se dado conta do que queremos demonstrar. Mas foi o caso, sim, de Jamelão (cujo nome artístico já trazia implícita uma indelével carga racista), apesar de seu ingresso na Ordem do Mérito Cultural em 2001 e das homenagens oficiais que recebeu por ocasião de seu 90º aniversário. No nosso modesto entender, se fosse mais o intérprete genial de Lupicínio, Lúcio Cardim e Ari Barroso e menos o “puxador” de samba-enredo, o cantor Jamelão – que, além de cantar divinamente, escrevia e lia música como poucos de seus colegas – talvez não tivesse “morrido” para a grande indústria do disco na década de 1970. Seria, no final de sua trajetória, mais admirado, endeusado e mitificado do que escarnecido por seus protestos ranzinzas e suas tiradas justificadamente mal humoradas.
Texto de Ney Lopes

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