sábado, 14 de junho de 2008

AUTOMOBILISMO BRASILEIRO 1960

BRASINCA E LORENA Segundo vimos em outros artigos, o automobilismo brasileiro da primeira metade dos anos 60 era dominado pelas equipes de fábrica da Willys, Simca e DKW. Salvo pelas corridas de carreteras, mecânica continental e Fórmula Júnior, as provas geralmente acabavam sendo ganhas pelos carros das três fábricas, ou por particulares correndo com produtos das três. O JK era o carro brasileiro mais potente da época, mas apesar de um início auspicioso nas corridas, foi pouco usado a partir de 1963. De vez em quando, aparecia alguém com algum carro estrangeiro ou com algum protótipo ou híbrido, com o propósito de bater os carros das fábricas, por exemplo as Alfas da Jolly e os Karmann-Ghia Porsche. A história do Brasinca é inusitada, pois na realidade era um carro fabricado no Brasil, e ainda por cima, completamente fora dos moldes da época. Para começar, o Brasinca era equipado com um motor Chevrolet de 4,2 litros, que era o mesmo motor usado pela GM nas suas pick-ups e peruas, projetado nos anos 30 (Foi o primeiro carro brasileiro fabricado com motor Chevrolet). Ou seja, era de longe o carro brasileiro de maior cilindrada até aparecer o Galáxie em 1967, acabando por ser também o mais potente na época. De estilo arrojado para a época, o carro criado por Rigoberto Soler era peculiar pela sua largura, necessária para encaixar o motorzão dianteiro. (Dizem as más línguas que acabou sendo copiado pela fábrica inglesa Jensen, cujo Interceptor lembra muito o peculiar GT brasileiro – realmente se parecem muito). E com a partida dos Simca-Abarth para a Europa, de repente o Brasinca se tornava um grande candidato para as pistas. Praticamente standard, o carro estreou em uma corrida em Curitiba, liderando a Equipe Simca até quebrar. Os pilotos escolhidos para a empreitada foram um ex-piloto da Simca, de 22 anos, o piracicabano Walter Hahn, e Expedito Marazzi, que mais tarde viria a ser proprietário de uma famosa escola de pilotagem em Interlagos, além de ser editor da Auto Esporte. 1966 foi um ano de transição no automobilismo brasileiro. Foi o ano do fechamento das equipes Simca e Vemag, do enfraquecimento da Willys e do fortalecimento da Dacon e da Jolly. E foi justo contra esta última que o Brasinca batalhou com mais frequência, em Interlagos. O último domingo de março de 1966 seria um dia de corridas em Interlagos. Nada muito sério, as provas nem valeriam para o campeonato paulista. Ainda assim, a Brasinca encarou a corrida com a maior seriedade possível, e o objetivo era bater a Alfa Giulia de Piero Gancia e a Alfa Zagato do jovem Emerson Fittipaldi. Dois carros de concepção bem diferente, cabe lembrar. As estrangeiras Alfas tinham um terço da cilindrada do Brasinca, eram mais leves e ágeis. O brasileiro Brasinca mais potente, porém quase standard. A corrida tinha gosto de revanche. Em fevereiro Hahn e Emilio Zambello haviam batalhado em Interlagos, em corrida válida para o campeonato paulista, e apesar de não ter feito má figura, os pneus do Brasinca não aguentaram e a Alfa Giulia acabou vencendo o GTzão brazuca. Chovia naquele domingo, e a batalha se iniciou. Nas primeiras voltas o Brasinca andou atrás da Zagato de Emerson, com Gancia atrás. Só que ocorreu o oposto da corrida de fevereiro. Desta vez as duas Alfas quebraram e Walter Hahn acabou ganhando a corrida com a média de 112,5 km/h, chegando a rodar em 4m04s, bom tempo para chuva. Em segundo acabou chegando um Interlagos, com Helio Mazza. Foi dia de festa em Interlagos, para Rigoberto Soler e para Walter Hahn. Animados, voltaram para Interlagos algumas semanas depois, e em prova válida para o campeonato paulista, mas o GT foi batido por Gancia novamente. Apesar dos pesares, Hahn acabou campeão paulista na divisão GT, em 1966, animando a Brasinca a desenvolver uma versão 4200 GT S, com taxa de compressão 8:1. comando de válvulas preparado e três carburadores Weber SJOE, que elevavam a potência do fora de série para 171 CV, a 4.800 rpm, para as corridas de longa duração. Infelizmente, a produção do Brasinca era muito cara, e comercialmente inviável para a época. Ao todo, foram montados 76 Brasincas, sendo que no final de 1966 a empresa, tradicional fabricante de auto-peças e carrocerias, desistiu do projeto. Este retomou o nome original, Uirapuru, em 1967, com outros investidores, entre os quais, Soler e Hahn. Não vingou, o que significou também o fim do Uirapuru nas pistas. Se o Brasinca era um fora de série, o Lorena mais ainda. Já nos anos 60, ficava óbvio que a plataforma VW era a mais indicada para quem quisesse fabricar um GT fora de série no Brasil, entre outras coisas pelo motor traseiro. O Puma VW já era um sucesso em 1968, e o Lorena foi outra tentativa de fabricar um esportivo brasileiro, montado na plataforma fusca. De linhas mais arrojadas do que o próprio Puma, o Lorena lembrava um pouco o Ford GT 40. Poucos foram fabricados, de forma que o projeto não chegou a ter nem simulacro de viabiliade comercial, algo que o Puma teve. Em 1969 as equipes de fábrica eram uma coisa do passado, mas diversos carros potentes e atuais haviam sido importados por equipes de São Paulo e do Rio de Janeiro. Entre outros, havia a Alfa P-33 da equipe Jolly, que pilotada por José Carlos Pace e Marivaldo Fernandes, em regime de revezamento, papava tudo no Brasil. Outros dois importados bem cotados eram a Lola T70 de Marcello e Marcio de Paoli, com motor Chevrolet 5 litros, e um Ford GT40, de Sidney Cardoso/Eduardo Scorzelli, ambos carros usados no Campeonato Mundial de Marcas daquele ano (a Lola ganhou Sebring e o Ford, Le Mans em 1969). Além disso, os irmãos Fittipaldi haviam preparado um VW com dois motores, com 3200 cc, que embora rápido, tinha uma tendência em não terminar as corridas. Esses quatro carros estavam presentes nos Mil Km da Guanabara, corrida a ser realizada no autódromo de Jacarepagua em 13 de dezembro de 1969, entre os 32 carros que alinhavam para a partida. Segundo as previsões, a Alfa P33 dominou completamente a corrida desde o princípio, até chocar-se com um dos diversos Pumas inscritos. Nem a Lola, nem o Ford GT, nem tampouco o VW-bi motor aproveitaram o acidente de Pace para dominar a corrida. Todos abandonaram. A longa corrida durou quase 9 horas, mais precisamente 8h59m30s2, e acabou sendo uma homérica zebra, considerando a lista de nobres inscritos. Foi ganha por um fora-fora-de série Lorena equipado com motor Porsche, remanescente da equipe Dacon. O elegante carrinho brasileiro foi pilotado pelos cariocas Heitor Palhares e Jose Maria Giu Ferreira, batendo por quatro voltas de diferença uma Alfa GTA da Equipe Jolly, pilotada por Piero Gancia e Jose Ramos, de Sao Paulo. Giu viria a tentar a sorte na F-3 na Europa, em 70 e 71, mas estes foram absolutamente os 15 minutos de fama de Palhares. Curiosamente, a média horária dos vencedores foi 111,356 km/h, ao passo que a volta mais rápida, feita por Marivaldo Fernandes com a P-33 teve a média horária de 134,102 km/h. Entretanto, a média do Lorena não foi nada má: na edição de 1968, a vencedora Alfa GTA de Lameirão/Wilson Fittipaldi Jr. demorou 9h11m32s para completar as mesmas 298 voltas. Em 3o. lugar chegou um Puma VW 1800 dos mineiros Marcelo Campos e Martius Jarjour, em 4o. lugar, os paulistas Eduardo Celidonio/Carlos Sgarbi, com o Snob’s Corvair, e em 5o. lugar, os brasilienses Enio Garcia e Toninho Martins, com o protótipo Elgar VW 1800. Lorenas ainda foram vistos em provas regionais no Rio até 1971, mas nunca mais alcançaram o sucesso daquele 13 de dezembro de 1969, embora tenha ganho uma outra corrida do campeonato carioca.
Têxto de Carlos de Paula

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